No dia 31 de dezembro de 1974, a jovem Maria da Conceição Costa, conhecida como Ceicinha de Rafael Manane, acordou empolgada e alegre, um pouco ansiosa talvez. Mais tarde, naquele dia, o recém-inaugurado Clube Municipal estaria lotado e receberia os festejos de noite de ano, e Conceição havia sido escolhida a representante varzeense que brilharia no palco do mesmo em um concurso que elegeria a miss do Vale do Sabugi.
Personagens como Milton de Dedé Marinho, Bastinho Soares e a professora Raimunda Ramalho, conhecidos pela organização e gosto pelas festas, haviam preparado o grande evento de passagem de ano no Clube Municipal, na qual, entre as atrações da noite, haveria a escolha da miss do Vale e para a qual Ceicinha de Rafael ensaiava suas emoções desde que o sol se apresentou no horizonte, presenteando a cidade com a última aurora do ano.
O clima de festa tomava conta da cidade inteira e, conforme o dia passava, pouco a pouco as ruas e a jovem praça Joaquim Marinho começavam a receber os visitantes para aquela inesquecível noite de ano. Titi Macambira, dono de um caminhão que usava para transporte de pessoas, veio do sítio Cordeiro, passando por comunidades como Riacho de Fora e Caiçaras, enchendo a carroceria do veículo de gente empolgada para os festejos da noite na cidade.
Às sete horas da noite, como de costume, o padre Jerônimo Lawen, com nítida exultação e vivacidade, celebrou a última missa do ano para uma igreja lotada de fiéis. Simpático e atencioso para com a comunidade católica como lhe era peculiar, naquela noite ele se despediu de cada fiel desejando a todos um feliz 1975 e aproximadamente às oito e meia da noite, findada a missa, ele se dirigiu a Edson Cirilo, conhecido motorista santa-luziense que costumava fazer suas viagens, e, entrando no novíssimo jipe azul-xingu ano 74 teria dito: “vamos rápido, que hoje ainda temos Santa Luzia e São José para fazer!” – referindo-se à rodada de missas que celebraria naquela noite no Vale do Sabugi. Cirilo engatou a primeira e arrancou em direção a Santa Luzia, deixando para trás uma cidade vibrante e feliz que lotava alegremente a praça e o patamar da igreja aguardando a hora de se dirigir ao clube para coroar a noite de festa.
A viagem começou como qualquer outra, com padre Jerônimo contente e à vontade puxando aqui acolá algum assunto e Edson Cirilo com o pé firme no acelerador e o olhar atento à estrada de barro (hoje rodovia estadual 233) iluminada apenas pelos faróis do jipe, cuja luz arrojada contrastava com a mansidão da luz da lua que por aquelas horas já clareava o horizonte varzeense em seu terceiro dia de cheia.
No entanto depois de algumas ladeiras vencidas e cerca de três quilômetros percorridos, foi bem no fim de uma descida que aquela viagem até então tranquila seria atravessada por um destino fatal: outro jipe, vindo em sentido contrário, com certa velocidade e sobrepeso de pessoas, perdeu o controle ao tentar desviar de uma valeta que ficava no meio da estrada, invadindo a contramão e avançando contra o veículo dirigido por Edson Cirilo em que padre Jerônimo ocupava o banco de passageiro.
O então jovem motorista Edson Cirilo tentou usar de todas as habilidades que possuía para evitar a colisão frontal, girando o volante para a direita e jogando o jipe para fora da estrada, tencionando a todo custo segurar a direção a fim de evitar o acidente. No entanto não conseguiu evitar o toque do outro veículo na lateral do seu jipe, o que fez com o veículo em que estava o padre Jeronimo fosse jogado violentamente contra os morrotes de barro da beira da estrada, capotando duas vezes até finalmente parar. “Depois de capotar, o carro caiu de pé!”, relembra Edson Cirilo, que recorda perfeitamente de tudo o que aconteceu naquela fatídica noite.
Arremessado para fora do veículo, padre Jerônimo já agonizava sem murmurar mais nenhuma palavra, até falecer no meio do sertão; o mesmo sertão para o qual um dia viera da Holanda realizar sua missão vocacional, dando ali, na beira da estrada, seu último suspiro de vida, testemunhado apenas pela lua de dezembro e pelo desespero de um jovem motorista que também apresentava graves machucados.
Na estrada, o jipe que provocara o acidente havia fugido sem prestar socorro e Edson Cirilo se encontrava sozinho tateando forças que não tinha em busca de ajuda. Um motorista chamado Assis, que trabalhava para o comerciante santa-luziense Joanísio da Mercearia, foi a primeira pessoa a parar e socorrer o motorista acidentado, deparando-se então com a terrível notícia que dali a poucos minutos inevitavelmente se espalharia pelo boca-a-boca e chocaria a todos nas cidades do vale do Sabugi e circunvizinhanças.
Em Santa Luzia, os fiéis que já estranhavam a demora do padre, o qual geralmente se destacava pela pontualidade europeia, receberam atônitos a triste notícia do acidente. A partir dali o clima de festa acabava completamente, dando lugar à comoção.
Quando os primeiros registros sobre do acidente chegaram a Várzea, a vibração contagiante de uma cidade em festa murchou automaticamente, e, como no poema de Drummond, a festa acabou, a noite esfriou e o povo sumiu. A cidade, que se preparava para a grande noite de ano no Clube Municipal, ficou em choque, com muitas pessoas se dirigindo ao local do acidente para se certificar do terrível acontecido com os próprios olhos, outras chorando amparadas pelos familiares e amigos, e os bancos da praça esvaziando-se pouco a pouco. Titi Macambira, cujo caminhão viera dos sítios do município lotado de gente animada para a festa de noite de ano, começava a recolher as pessoas para fazer o caminho de volta, e no clube municipal a festa que havia sido preparada era cancelada em meio à tristeza e frustração de todos que já se faziam presentes por ali.
Para a jovem Ceicinha de Rafael, cujo coração palpitava antes de empolgação e alegria, coube a sensação triste de uma noite que jamais aconteceu, restando a ela retirar a maquiagem e o vestido que cuidadosamente havia escolhido para a sua hora de estrela. E todos regressaram para suas casas, comovidos e abalados para aguardar a provavelmente mais triste passagem de ano da história varzeense. Restava aos habitantes da cidade rezar pela alma de um padre que tanto amor havia dedicado à comunidade católica da igreja de São Francisco e esperar um ano vindouro de notícias melhores do que as trágicas e enternecidas notas acerca do acidente que a rádio Espinharas de Patos divulgaria na manhã de 1º de janeiro de 1975.